História do Tocantins: A Comarca de São João das Duas Barras, no Norte
Conheça a história da Comarca de São João das Duas Barras e seu impacto na administração e navegação no norte de Goiás
Os governadores da Capitania de Goiás, diversas vezes, deslocaram-se para o Norte com o propósito de buscar soluções para os problemas surgidos nesta região ou de incentivar novos descobrimentos de minas de ouro. Essas viagens iniciaram-se antes da separação da capitania da de São Paulo. Nesse período, o Conde de Sarzedas, governador da Capitania de São Paulo, tentou dirigir-se para esta região, mas não conseguiu alcançar seu objetivo devido ao seu falecimento em Traíras, no ano de 1737.
Coube então ao sucessor do Conde de Sarzedas, D. Luiz de Mascarenhas, realizar a viagem originalmente planejada para ele. Os frequentes conflitos de jurisdição com o Pará e o Maranhão, que adentravam os limites da Capitania de Goiás, eram motivo de constante preocupação, tanto no período anterior quanto posterior à separação desta capitania da de São Paulo.
Necessidade de se criar uma comarca no Norte
A grande extensão da capitania era um fator que dificultava sua administração sem mudanças na estrutura administrativa. Em 1761, o Desembargador Antônio José de Araújo e Sousa já apontava a necessidade de criar uma Comarca no Norte para facilitar essa administração.
Foi, no entanto, Luiz da Cunha Menezes, que assumiu o governo no início de 1777, o primeiro governador a formalizar uma representação à Corte de Lisboa, destacando a conveniência da criação da nova comarca. Ele baseou sua solicitação nos argumentos apresentados pelo Desembargador Antônio José de Araújo e Sousa em 1765.
O Conselho Ultramarino, porém, considerou as justificativas insuficientes e exigiu informações adicionais, adiando a implementação dessa medida essencial.
O projeto de divisão da Comarca de Goiás era antigo, sendo considerado por todos os capitães-generais como uma iniciativa indispensável para a boa administração da justiça. A presença de um desembargador ia além disso, pois contribuía significativamente para facilitar a administração como um todo.
A criação da comarca por D. Francisco de Assis Mascarenhas
A ideia de criar uma comarca no Norte também integrava os planos administrativos de D. Francisco de Assis Mascarenhas, que assumiu o governo em 27 de fevereiro de 1804. Coube a esse governador dar forma concreta à antiga proposta de divisão da extensa Comarca de Goiás, por meio do Alvará de 18 de março de 1809.
A nova comarca, denominada Comarca de São João das Duas Barras, teria como sede a vila de mesmo nome, planejada para ser construída na confluência dos rios Tocantins e Itacaiúnas, local onde atualmente se encontra a cidade de Marabá, no Pará.
Julgados da nova comarca
A nova comarca abrangia os julgados de Porto Real, Natividade, Conceição, Arraias, São Félix, Cavalcante, Traíras e Flores.
O Arraial do Carmo, que até 1806 havia sido a cabeça de julgado, perdeu essa prerrogativa para Porto Real, que começava a prosperar com a crescente navegação no rio Tocantins.
Enquanto isso, os arraiais do Carmo e Pontal entravam em evidente decadência.
Limites da Comarca de São João das Duas Barras
“A Comarca de São João das Duas Barras, frequentemente chamada de Comarca do Norte devido à sua localização setentrional na província, possui os seguintes limites: ao sul, são demarcados pelos limites setentrionais da Comarca de Goiás; ao norte, confina com as províncias do Maranhão, Piauí e Pará; a leste, faz divisa com a Comarca do Rio São Francisco, que está provisoriamente vinculada à Província de Minas Gerais; e a oeste, com a Província de Cuiabá.
A divisão oriental é traçada pela Serra Geral, enquanto a setentrional também segue essa mesma serra, que termina no Rio Manoel Alves Grande. Este rio e a Serra Geral separam a comarca do Maranhão, enquanto, um ramo dessa serra, fazem a divisão com o Piauí. Os limites da comarca com a Província do Pará não são claramente definidos, havendo controvérsias: alguns consideram que o Rio Araguaia delimita a fronteira, enquanto outros acreditam que a Cachoeira da Itaboca, situada 26 léguas abaixo da povoação de São João, na foz do Araguaia, seja o marco. No local chamado Tocaiúnas, na confluência do Rio Tocantins, foi planejada a Vila de São João das Duas Barras, originalmente destinada a ser a sede da Comarca do Norte. Contudo, essa posição foi abandonada, e a vila que se tornou a sede da comarca foi erguida no local conhecido como Barra da Palma (1).”
Joaquim Teotônio Segurado torna-se o ouvidor da comarca
Com a criação da nova comarca, foi nomeado como ouvidor o Desembargador Joaquim Teotônio Segurado, que desempenhou um papel significativo no desenvolvimento do intercâmbio comercial. Ele se destacou especialmente por incentivar a navegação no rio Tocantins.
Demonstrando seu comprometimento com o progresso regional, Segurado liderava pelo exemplo, realizando anualmente uma viagem fluvial que resultava em grandes lucros.
A residência do Ouvidor e a escolha do local onde seria edificada a sede da comarca
Até que fosse definido o local para a construção da vila que sediaria a comarca, o ouvidor tinha autorização para residir em Natividade.
Com a missão de escolher e demarcar a área destinada a ser a sede da comarca, o Ouvidor Joaquim Teotônio Segurado dirigiu-se ao Pará em 1810. Em 23 de agosto daquele ano, ele realizou a medição e demarcação de um perímetro próximo à foz do rio Itacaiúnas, a dez léguas abaixo do Registro de São João.
Era desejo do príncipe regente que a sede da comarca fosse estabelecida nesse local. Contudo, não foi possível ignorar as reiteradas representações que chegaram até ele, apontando as dificuldades de tal localização, considerada muito distante dos julgados sob a jurisdição da comarca.
Sede da comarca muda para a vila de S. João da Palma
Cedendo às alegações consideradas justas, o príncipe regente emitiu o Alvará de 25 de fevereiro de 1814, determinando que a sede da comarca fosse construída na Barra da Palma, cuja denominação lógica deveria ter sido Barra do (Rio) Palma. Esse Alvará concedia aos moradores uma isenção do pagamento de dízimos e décimas por um período de dez anos. (Os dízimos incidiam sobre produtos agropecuários, enquanto as décimas eram cobradas sobre edificações).
A vila de São João das Duas Barras foi planejada para servir como ponto de apoio à navegação dos rios Tocantins e Araguaia. No entanto, não sendo viável estabelecer a sede da comarca no local previamente escolhido, o príncipe optou por manter os privilégios de isenção dos dízimos e décimas e conferiu à vila de São João das Duas Barras o título de comarca, embora esta nunca tenha sido construída.
Em cumprimento ao Alvará de 25 de fevereiro de 1814, o Ouvidor Joaquim Teotônio Segurado, no dia 26 de janeiro de 1815, acompanhado pelos vereadores e pelo procurador da Câmara de Natividade, além de várias outras pessoas, ergueu o pelourinho com as insígnias reais, símbolo da autoridade e da justiça.
O Auto de criação foi registrado pelo Escrivão Vitalício da Ouvidoria Geral e Correição, Alexandre Ribeiro de Freitas, e está assinado por Segurado, Francisco José da Silva, Simeão Estelita da Silva, Inocêncio Teixeira Alves, Manoel Joaquim de Almeida, Antônio Alves Bandeira, Pedro Antônio de Mendonça, Boaventura da Silva, Florêncio Antônio da Fonseca, Vitor Pereira de Lemos, Padre Manoel Joaquim de Araújo, Manoel Leite Pereira, Luciano da Costa Sampaio, Valentim Monteiro e Simplício Pereira.
A instalação da vila de S. João da Palma
Após a instalação da vila, procedeu-se à demarcação dos limites, com a presença do Ouvidor Joaquim Teotônio Segurado e dos vereadores Simeão Estelita da Silva, Manoel Joaquim de Almeida e Pedro Antônio de Mendonça, bem como do procurador da Câmara Francisco José da Silva e do Juiz Ordinário Antônio Alves Bandeira.
Em seguida, realizou-se a abertura do pelouro para a eleição dos juízes ordinários, oficiais da Câmara, Juízes de Órfãos, almotacés, alcaides e outros cargos administrativos.
Os eleitos foram:
- Juízes Ordinários: Capitão-Mor Domingos Antônio Cardoso e Capitão João Caetano de Sampaio
- Vereadores: Luiz Pereira da Rocha, José de Oliveira e Silva, e Vítor Teixeira Bastos
- Procurador: Mateus Joaquim da Silva
- Juiz de Órfãos: Alferes Joaquim Pereira de Lemos
- Juízes Almotacés: Manoel Joaquim de Almeida e Antônio de Amaral Garcia
- Escrivão da Câmara: Febrônio José Pereira Sodré e Antônio José de Carvalho.
Notas
- Raimundo José Cunha Matos, Corografia Histórica da Província de Goiás,1979
- Johan Emanuel Pohl, Viagem ao Interior do Brasil, 1976
- Este texto é uma adaptação do livro História do Tocantins, obra do renomado escritor e historiador Osvaldo Rodrigues Póvoa (11/05/1925 – 09/11/2023).
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