História do Tocantins: comércio e atividade agropecuária no século XVIII

No final do século XVIII, a região que hoje é o estado do Tocantins era marcada por uma intensa atividade econômica ligada à mineração e agropecuária

Segundo a visão do grande estadista que foi o Marquês de Pombal – Ministro do rei D. José I, de Portugal – a livre navegação do Tocantins e a conquista pacífica dos índios seriam de grande importância para o desenvolvimento do norte da Capitania de Goiás. Contudo, a suposição da existência de contrabando levou à expedição de Cartas Régias e Alvarás que restringiam a navegação.

D. Luiz de Vasconcelos abre a navegação entre Tocantins e Pará

Com a chegada do Governador e Capitão General da Capitania, D. Luiz de Vasconcelos, ele passou a considerar com maior realismo o intercâmbio comercial com o Pará, por meio do Tocantins, permitindo a navegação, na certeza de estar prestando um serviço relevante à capitania.

Dessa forma, estando no Pontal em julho de 1773, reuniu várias canoas sob o comando de Antônio Luiz Tavares Lisboa e do Cabo José Fogaça, com o objetivo de explorar a navegabilidade do rio até o Pará.

Governador do Pará escreve a Pombal

O governador do Pará, João Pereira Caldas, consciente da relevância da navegação do Tocantins, escreveu ao Marquês de Pombal em carta datada de 28 de março de 1773, destacando a importância de suspender a proibição do uso do rio para navegação. Em sua opinião, tal medida favoreceria o livre comércio entre o Pará e as minas de Natividade e São Félix.

O governador acrescenta que, apesar da presença de diversas nações indígenas na região, ele acredita na possibilidade de estabelecer um comércio vantajoso entre sua capitania e as minas mencionadas, além de garantir uma arrecadação lucrativa de direitos reais. Uma viagem entre o Pará e o Pontal, realizada em canoas médias, tinha duração média de quarenta e cinco dias.

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Capitão Fernandes Belo leva canoas com mercadorias ao Pontal e à Vila Boa

Em janeiro de 1782, o Capitão Fernandes Belo partiu do Pará em direção ao Pontal, acompanhado do porta-bandeira Manoel Joaquim de Matos, levando um grande carregamento destinado à venda nesse arraial. A expedição prosseguiu até Vila Boa, onde chegou em setembro.

Fernandes Belo também foi portador de um ofício enviado pelo governador do Pará ao governador de Goiás, no qual se lia o seguinte trecho:

“Para estabelecer com regularidade e permanência devida, mando o Capitão de Auxiliares Paulo Fernandes Belo abrir e desembaraçar a navegação do Rio Tocantins pelo que respeita aos domínios deste Estado, e receber as ordens de V. Excia. relativas aos dessa capitania”.

Viagens comerciais partem do Porto de Santa Rita no Araguaia

No início de maio de 1806, cinco canoas partiram do porto de Santa Rita, no Araguaia, descendo o Rio Tocantins com destino ao Pará. O carregamento incluía açúcar, couros, algodão e outros produtos, totalizando 1.640 arrobas. Entre os itens transportados estavam:

  • 66 barricas de açúcar, 99 surrões, 55 jacás e 177 caixas de 2,5 e 8 arrobas de açúcar; 91 meios de sola; 9 rolos de algodão; 11 caixões com quina; 75 rolos de fumo; 6 pacotes de fumo e outros artigos.

No dia 13 de maio, ainda com destino ao Pará, partiram do mesmo porto mais quatro canoas, pertencentes a Luiz Rodrigues Pereira, seu irmão João Apolinário da Costa, Manoel da Silva Soeiro e Francisco José Teixeira. O carregamento incluía:

  • 300 meios de sola, 700 varas de algodão, 24 arrobas de algodão em rama, 116 arrobas de toucinho, 104 arrobas de carne seca. Além disso, 8 arrobas de goiabada, 24 rolos de fumo, 58 alqueires de feijão, 100 de farinha e 50 de arroz.

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Preços dos produtos transportados

Alencastre(1) registra alguns preços e valores praticados nas transações comerciais da época. No Norte, vendiam o algodão por 750 réis a arroba e no Sul por 900 réis. Já o açúcar comercializavam a 1$800 (mil e oitocentos réis) no Sul e a 2$400 (dois mil e quatrocentos réis) no Norte.

Conforme relatório de D. Fernando de Assis Mascarenhas, datado de 1809, a capitania exportou 15.358 reses[cabeças de gado], gerando um valor total de 33:288$900 (trinta e três contos, duzentos e oitenta e oito mil e novecentos réis). No Sul, vendiam cada rês, em média, por 4$800 (quatro mil e oitocentos réis) e no Norte, por 1$500 (mil e quinhentos réis).

Manuel Pinto de Castro funda Carolina

Manoel José Pinto de Magalhães, natural do arraial de Natividade, destacou-se como um comerciante ativo que, utilizando suas próprias canoas, fomentou a navegação no Rio Tocantins e incentivou o comércio entre o Pará e os arraiais do Norte da capitania. Profundo conhecedor da região, ele observou a ausência de povoações entre Porto Real (Porto Nacional) e o Pará que pudessem oferecer apoio aos navegantes e comerciantes que utilizavam a via fluvial.

Com a ideia de suprir essa necessidade, Manoel José Pinto de Magalhães, acompanhado por parentes e amigos, realizou estudos para identificar o melhor local para essa base de apoio. Em 1808, perto da foz do Rio Manoel Alves Grande, fundou um arraial que recebeu o nome de S. Pedro de Alcântara, marco inicial para o surgimento da cidade de Carolina.

Expansão da indústria agropastoril e do comércio

O declínio da produção das minas de ouro levou à expansão da indústria agropastoril e do comércio. Usava-se o Rio Tocantins como via principal, especialmente para o comércio com o Pará, e conduziam-se boiadas para a Bahia, onde as trocavam por mercadorias.

Essas informações sobre a produção e o comércio na Comarca do Norte provêm da obra “O Descobrimento da Capitania de Goiás”, de Luiz Antônio da Silva e Souza.

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Vila da Palma

No termo [área de influência ou jurisdição] da vila da Palma, havia 70 fazendas dedicadas à criação de gado vacum e cavalar, exportando-se anualmente:

  • 1.000 bois ao preço de 4$000 (quatro mil réis) cada
  • 50 potros a 10$000 (dez mil réis) por cabeça, somando um total de 4:500$000 (quatro contos e quinhentos mil réis).

A região contava com:

  • Quatro engenhos que produziam açúcar, aguardente e rapadura. O açúcar era vendido a 3$400 (três mil e quatrocentos réis) por arroba, a aguardente a 9$600 (nove mil e seiscentos réis) o barril de 24 frascos, e a rapadura de 8 libras custava 225 réis.
  • O cultivo de fumo, embora limitado, resultava em vendas a 3$000 (três mil réis), enquanto o algodão era comercializado a 4$200 (quatro mil e duzentos réis).
  • Além disso, exportavam-se anualmente 1.000 couros de boi a 300 réis cada, 1.000 meios de sola a 600 réis, 2.000 couros de veado a 600 réis e 40 couros de onça a 3$000 cada, totalizando 6:120$000 (seis contos, cento e vinte mil réis).

Nos rios navegáveis, pagavam-se direitos [taxas/impostos] pelos gêneros importados, exceto sobre o sal. O frete para o Pará custava 1$800 (mil e oitocentos réis) por quintal [cerca de 58,75 kg no Brasil colonial] na descida e 8$000 (oito mil réis) na subida, devido às dificuldades do trajeto. A distância entre a vila da Palma e o Pará era estimada em 320 léguas [uma légua equivalia a cerca de 6,6 km.].

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O julgado de Conceição

O julgado de Conceição [A palavra “julgado” usada no Brasil colonial e imperial referia-se a uma unidade administrativa subordinada a uma comarca, geralmente comandada por um juiz ou autoridade local] se estendia por 17 léguas no sentido Norte-Sul e 26 léguas no sentido Leste-Oeste.

Abrangia duas freguesias: a da sede e a de São José do Duro (atual Dianópolis/TO), situada a 18 léguas ao Norte.

Nesse território, havia:

  • 53 fazendas de criação de gado, com a exportação de 2.100 bois e 200 potros, praticando-se os mesmos preços vigentes na vila da Palma.
  • Também eram exportados couros e solas, alcançando um total de 10:750$000 (dez contos, setecentos e cinquenta mil réis).
  • Além disso, o comércio era dinamizado por muitos mascates que percorriam o julgado, trocando mercadorias, especialmente tecidos, por gado.

O julgado de Natividade

O julgado de Natividade possuía dimensões de 36 léguas no sentido Norte-Sul e 30 léguas no sentido Leste-Oeste, sendo composto por duas freguesias. A freguesia da sede media 26 léguas por 24 nas mesmas direções, enquanto a de São Miguel e Almas abrangia 9 léguas por 8.

Existiam:

  • 62 fazendas de criação de gado, embora de pequena expressão, voltadas principalmente para o abastecimento local. Ainda assim, eram exportados anualmente de 300 a 450 bois, vendidos a 3$600 por cabeça
  • além de 600 meios de sola ao preço de 450 a 650 réis
  • 600 couros de boi a 160 réis cada
  • 80 alqueires de farinha a 1$200, 60 de milho a 750 réis
  • 80 a 100 arrobas de toucinho a 3$400
  • 60 a 80 arrobas de açúcar a 2$400
  • 50 barris de aguardente a 8$400.

A exportação média anual era estimada em 3:072$000 (três contos, setenta e dois mil réis).

Julgado do Porto Imperial

O julgado do Porto Imperial, de fundação relativamente recente à época em que Silva e Souza escreveu sua obra, não forneceu dados solicitados, apesar de três anos consecutivos de tentativas. O julgado estava conectado a Vila Boa por duas estradas, sendo a mais curta com cerca de 119 léguas. No entanto, essa rota era considerada extremamente perigosa devido aos frequentes ataques dos índios Canoeiros.

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O julgado de Arraias

O julgado de Arraias possuía uma extensão aproximada de 32 léguas no sentido Norte-Sul e 21 léguas no sentido Leste-Oeste, abrangendo duas freguesias: a da sede e a de São Domingos. A freguesia da sede não contava com capelas filiais, exceto na parte Leste, onde existiam algumas Casas de Oração nos locais denominados Saco, a 13 léguas da matriz, e em Santa Maria de Taguatinga, distante 8 léguas do Saco.

O local conhecido como Saco corresponde atualmente à sede do município de Aurora do Tocantins, antigo distrito de Taguatinga. No julgado, havia:

  • 150 fazendas, das quais se exportavam anualmente 2.300 bois, vendidos a preços que variavam de 4$000 a 6$000 por cabeça. Além disso, exportavam 100 cavalos, ao custo de 10$000 a 12$000 cada.
  • A produção local incluía aguardente, vendida a 9$000 o barril de 24 frascos pequenos
  • rapaduras, cujo preço variava entre 160 e 210 réis.

Os direitos municipais eram arrecadados por meio da aferição de balanças, ganchos e pesos, além de uma taxa de 320 réis por cabeça de gado.

Austríaco Johan Emanuel Pohl, registra sua passagem no Brasil entre 1817 e 1821

O naturalista austríaco Johan Emanuel Pohl, que esteve no Brasil de 1817 a 1821, registrou sua viagem detalhadamente na obra Viagem no Interior do Brasil, publicada em Viena em 1832. Durante sua passagem por Arraias, Pohl reencontrou o Capitão Felipe Antônio Cardoso, a quem havia conhecido na vila da Palma em julho de 1819.

Naquele período, fazia quatro meses que havia falecido o pai do Capitão Felipe, o Capitão-mor Domingos Antônio Cardoso, um nobre português residente em Arraias e proprietário de uma grande fortuna. O encontro com Pohl ocorreu na fazenda Engenho Sumidouro, pertencente à família.

As propriedades do Capitão Felipe somavam treze fazendas, distribuídas por 60 léguas quadradas (dez léguas de comprimento por seis de largura). A fazenda Engenho Sumidouro possuía uma sólida residência principal e trinta casas destinadas aos trabalhadores. No entanto, um incêndio destruiu uma segunda residência no ano anterior, em 1818.

Na propriedade, cultivava-se cana-de-açúcar e trigo, embora o principal produto fosse o gado vacum. Anualmente, criavam-se 4.000 reses, além de cavalos e ovelhas, que vendiam na Bahia, gerando lucros significativos.


Notas:

  1. Alencastre – Anais da província de Goiás, 1863
  2. Este texto é uma adaptação do livro História do Tocantins, obra do renomado escritor e historiador Osvaldo Rodrigues Póvoa (11/05/1925 – 09/11/2023).

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