História do Tocantins: primeiras povoações e exploração do ouro
A exploração do ouro no Tocantins impulsionou a criação de arraiais e intensos conflitos. Conheça essa rica trajetória histórica e cultural
As primeiras povoações do Tocantins surgiram como decorrência da exploração das minas de ouro. Ainda no tempo em que esta região pertencia à Capitania de São Paulo, as notícias de novos descobrimentos que chegavam a Lisboa fizeram com que o rei de Portugal determinasse a vinda de D. Luiz da Távora, Conde de Sarzedas, até as minas de Goiás, onde deveria erigir vila e comarca.
Conflitos de jurisdição e administração das minas
O mesmo Conde de Sarzedas, que comunicara à corte estas descobertas, à Corte Portuguesa acrescentava que, em virtude delas, os governadores das capitanias do Maranhão e do Pará estavam estendendo suas jurisdições para além de suas fronteiras, penetrando assim em áreas da jurisdição da Capitania de São Paulo.
Nessa época, em 1737, as minas de Goiás e por extensão as do Tocantins estavam sob a administração do intendente Dr. Agostinho Pacheco Teles. Foi então que, seguindo determinação do Rei de Portugal, o Conde de Sarzedas partiu para estas minas, sem chegar ao Norte, pois morreu em Traíra em 9 de agosto daquele ano, após grave enfermidade.
Coube a D. Luiz de Mascarenhas cumprir, dois anos mais tarde, a missão que fora incumbida ao Conde de Sarzedas.
LEIA MAIS: História do Tocantins: as primeiras Entradas e Bandeiras
Restrição à abertura de caminhos
Portugal buscava dificultar as penetrações para o interior do Brasil, a fim de evitar a desvio da produção das minas que viessem a ser descobertas. Por Carta Régia de 10 de janeiro de 1730, foi proibida a abertura de mais de um caminho para as minas de Goiás. Também o Governador da Capitania do Maranhão recebeu recomendações para evitar povoações nas áreas das minas, barrando a abertura de caminhos para elas.
Todas as restrições impostas pela Coroa não foram suficientes para impedir as expedições e o consequente surgimento de arraiais.
Fundação de arraiais no Tocantins
Penetrando em todas as direções, essas expedições iam estabelecendo núcleos populacionais (arraiais) onde o ouro era encontrado. Entre os que chefiaram essas expedições, destacam-se João Leite da Silva Ortiz, genro de Bartolomeu Bueno, Manoel Pereira Calhamaro, cunhado, Antônio Ferraz de Araújo, sobrinho, e Manoel Rodrigues Tomaz.
Muitas picadas [trilhas abertas no meio da mata para possibilitar o deslocamento de pessoas e mercadorias em regiões de difícil acesso, especialmente no interior do território] chegavam a essas minas, procedentes do Maranhão, do Piauí, da Bahia e de Minas Gerais, amplamente utilizadas para o contrabando de ouro.
A notícia da imensa riqueza encontrada nas terras do Tocantins despertou nos governadores do Pará e do Maranhão, como já foi mencionado, um grande interesse em expandir seus domínios.
LEIA MAIS: Historiologia: conheça a origem das famílias tradicionais brasileiras
A organização do território pelo Conde de Sarzedas e sucessores
Por Provisão [documento oficial emitido por autoridades coloniais, como o rei de Portugal, o governador-geral ou outros representantes do poder real] de 15 de fevereiro de 1737, do Conde de Sarzedas, foi criada no distrito do Tocantins uma intendência para a cobrança de “capitação” [imposto], que foi provida por Agostinho Pacheco Teles.
O empenho do governo da Capitania do Maranhão em estender seus domínios até as minas do Tocantins chegou a tal ponto que a Provisão do Conselho Ultramarino, de 20 de maio de 1737, determinou que esse governador não estendesse sua autoridade sobre as referidas minas, comunicando essa deliberação ao Conde de Sarzedas por Carta Régia de 30 de maio do mesmo ano.
Como esse governador insistisse em seus propósitos, ignorando as determinações régias contrárias, as Cartas Régias de 20 de agosto de 1738 e de 10 de março de 1739 proibiram-no taxativamente de envolver-se em assuntos dessas minas. Como é fácil de deduzir, essa ingerência inadequada só poderia causar prejuízos à administração e perplexidade aos habitantes dos arraiais.
Manoel Rodrigues Tomaz, fundador do arraial de Meia-Ponte em 1727, foi expulso dali por insubordinação, por ordem do Governador e Capitão General da Capitania de São Paulo.
Com ele, partiram outros chefes em direção ao Norte, entre os quais Manoel Ferraz de Araújo, que fundou o arraial de Nossa Senhora da Natividade no lado ocidental da serra de mesmo nome.
Dois anos mais tarde, Carlos Marinho descobriu e estabeleceu o Arraial de São Félix, que chegou a ser o mais importante do Norte.
LEIA MAIS: Grandes acontecimentos históricos de dezembro no Brasil e no mundo
D. Luiz de Mascarenhas enviado para restabelecer a ordem
Para restaurar a ordem no Norte, tumultuada pela ingerência de autoridades que atuavam ilegalmente nas minas do Tocantins, onde disputavam autoridade intendentes, guardas-mores, oficiais e juízes, D. Luiz de Mascarenhas, que sucedeu ao Conde de Sarzedas, viajou para esta região da Capitania.
Alencastre assegura que D. Luiz de Mascarenhas viajou para Natividade em 1740 e que, em sua passagem, “assistiu a descoberta e fundação dos arraiais de Cavalcante, Arraias, Conceição e Chapada”, auxiliado eficazmente por Domingos Pires, Manoel de Sousa Ferreira, Francisco Cavalcante e alguns outros homens poderosos do Norte.
Brigadeiro Cunha Matos menciona que o Arraial de Arraias foi povoado em 1739 em “terreno riquíssimo de ouro”.
D. Luiz de Mascarenhas organizou uma bandeira cujo comando foi entregue a Jacinto de Sampaio Soares para combater os índios que infestavam Natividade.
LEIA MAIS: Origem da família Almeida: suas raízes portuguesas e herança no Brasil
Relatos de explorações e riquezas
Em Arraias, uma grande expedição foi organizada para explorar o Rio do Sono, que, segundo informações de alguns aventureiros que haviam penetrado no sul do Piauí, era muito rico em ouro.
Durante quase um ano, o governador percorreu a região do Tocantins, retornando para Vila Boa, tendo deixado Natividade e os demais arraiais do Norte em “perfeita paz após a retirada das autoridades intrusas”.
Após três anos de permanência nas minas de Goiás, D. Luiz de Mascarenhas retirou-se para São Paulo, em outubro de 1742, deixando fundados os arraiais de Arraias, Conceição e Pontal, com o Ouvidor Manoel Antônio da Fonseca responsável pelas questões das minas na sua ausência, para “providenciar nos casos correntes”.
Arraiais do Tocantins, segundo Marivone de Matos Chain
Marivone de Matos Chain menciona os seguintes arraiais do Tocantins: Natividade (1734); São Félix (1736); Arraias (1740); Pontal (1738); Carmo (1746).
O Arraial do Príncipe, hoje extinto, foi fundado em 1770 e estava sete léguas a oeste de Conceição do Norte, entre este arraial e o de Natividade, distante uma légua do Morro do Moleque, que tem de 80 a 100 metros (mais de quarenta braças) de altura.
LEIA MAIS: Origem da família Araújo: história, brasões e chegada ao Brasil
Arraiais do Tocantins, segundo Brigadeiro Cunha Matos
O Arraial da Taboca, que era localizado entre a Aldeia do Duro e o Arraial da Conceição, já estava extinto quando o Brigadeiro Cunha Matos escreveu sua Corografia Histórica da Província de Goiás em 1724.
Neste local, que hoje se chama Sucupira, distante cerca de cinco léguas ao sul de Dianópolis, realiza-se anualmente uma romaria no mês de agosto, quando, em torno da pequena capela edificada sob a invocação de Nossa Senhora do Rosário, são erguidas numerosas barracas construídas pelos romeiros, que começam a chegar de três a quatro dias antes da festa.
Brigadeiro Cunha Matos menciona os seguintes arraiais no território do Estado do Tocantins:
Arraias
Localizado entre as montanhas, junto ao Córrego Rico. Possuía 90 casas, pequenas e mal conservadas, Igreja Matriz de Nossa Senhora dos Remédios, a de Nossa Senhora do Rosário, e estava em construção a capela de Nossa Senhora da Conceição.
No seu distrito havia muitas pessoas brancas e pardas. A distância entre este Arraial e o registro de Taguatinga era de 20 léguas e um quarto.
LEIA MAIS: Entenda a história por trás da flor vermelha usada pela família real
Conceição
Com 70 casas, algumas delas de boa construção; Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição e Capela de Nossa Senhora do Rosário. O lugar, muito agradável, era muito carente de água.
Segundo registros, sua fundação ocorreu em 1741, em local muito rico em ouro, mais que todos os outros da província; havia poucos homens brancos no Arraial. A nota curiosa a respeito do lugar é o registro de que os pardos e pardas “são muito limpos e os mais bem vestidos da província”.
Natividade
Localizado meia légua a oeste da Montanha dos Olhos D’água, é banhado pelo Córrego da Praia ou Santo Antônio, possuía boas casas, ruas bem cuidadas, praças espaçosas, Casa do Conselho e quatro igrejas; as manhãs eram muito frescas, mas as tardes quentes devido à proximidade da serra.
Um quarto de légua a leste localizava-se a fonte dos Olhos d’Água, com água de primeira qualidade.
O início do povoamento ocorreu em 1739 e “teve no seu distrito acima de 4.000 escravos”. Neste arraial residiu o vigário geral da repartição do Norte, assim como o Ouvidor da Comarca de São João das Duas Barras, de 1809 a 1815. A distância deste arraial ao Registro do Duro estava calculada em vinte e quatro léguas.
São Miguel e Almas
Situado a catorze léguas a leste de Natividade. Possuía setenta e três casas humildes e a Igreja de São Miguel. Não há referência sobre o ano de sua fundação, mas já em 1743 os índios atacavam o arraial.
Nesse local, esteve exilado o Padre José Cardoso de Mendonça por ter participado dos movimentos de independência em 1821. Até o ano de 1826, ele ainda residia neste arraial, embora os registros oficiais indiquem que as autoridades o mandaram para a Aldeia do Duro.
LEIA MAIS: As maldições mais enigmáticas que marcaram a história
Chapada
Chapada, a duas léguas ao norte de Natividade, possuía setenta e quatro casas e uma igreja, de Nossa Senhora Santana, com três altares ricos em prata. Estava em construção a Igreja do Rosário e possuía uma grande praça e um chafariz.
Foi construída nas margens do Córrego da Praia em 1740, em um terreno rico em ouro. Em 1824, já não se extraía mais o metal precioso devido à falta de mão de obra escrava.
Porto Real
Edificado na margem direita do Tocantins, cuja largura no local era de cerca de 800 metros. Sua localização era muito boa, em terreno plano e livre de enchentes.
Em 1810, o Desembargador Corregedor da Comarca de São João das Duas Barras, Joaquim Theotonio Segurado, fundou o arraial para servir como sede do julgado [sede administrativa e judicial de um território].
Em 1824, tinha quarenta e sete casas, todas pequenas, e uma modesta capela de Nossa Senhora das Mercês. Neste arraial, eram feitos os registros das embarcações que desciam o Tocantins com destino ao Pará, assim como das que subiam pelo rio.
Devido à sua posição estratégica, o arraial recebeu reforços, contando com vinte e oito praças, duas peças de artilharia e munições. O arraial pertenceu à freguesia do Carmo.
LEIA MAIS: Hino a Nikkal: Ouça a música mais antiga da humanidade!
Carmo
Fundado em 1741, junto aos rios Água Suja e Sucuriú, em um local pantanoso e insalubre. Contava com cento e setenta casas pequenas, Igreja de Nossa Senhora do Carmo e Igreja do Rosário.
Os moradores deste arraial utilizavam o Tocantins frequentemente para chegar ao Pará em suas atividades comerciais. Proprietários de numerosas fazendas de gado e de cultivo, mais de noventa ao todo, abandonaram suas propriedades devido aos ataques dos índios. No entanto, outra versão atribui o abandono à escassez de escravos e à diminuição da produção de ouro.
Pontal
Fundado três léguas e meia a oeste do local onde posteriormente se fundou Porto Real. Localizava-se na parte ocidental da Serra do Pontal, junto ao Córrego Lavapés, na margem esquerda do Tocantins.
Segundo Silva e Sousa, citado por José Mendonça Teles, António Sanches fundou em 1738. Contava com quarenta e nove casas, todas de construção muito simples, duas igrejas, a de Santana e a de Santo Antônio. Esta última tinha uma bela imagem de Jesus crucificado em tamanho natural.
Embora fosse muito rico em ouro, os mineiros se afastaram deste arraial, coagidos pelos constantes ataques dos índios. As lavras da Matança, localizadas nas proximidades, ficaram desertas, e até o caminho antigo, que seguia pela planície, foi também abandonado pelo mesmo motivo.
O Brigadeiro Cunha Matos, quando esteve na região, determinou a abertura do caminho para o arraial, por onde ele passou para chegar lá.
LEIA MAIS: Os segredos da maior Ilha desabitada do mundo. Confira!
Duro
Mencionado por Silva e Sousa como pequeno e pouco povoado, subordinado ao Julgado de Porto Imperial, discriminando sua população da seguinte maneira: 18 brancos casados e 32 solteiros; 25 pretos casados, 170 solteiros; 50 pardos casados, 182 solteiros; 19 brancas casadas e 12 solteiras; 30 pretas casadas, 204 solteiras; 26 pardas casadas e 225 solteiras; 625 escravos e 219 escravas.
NOTA 1: Este artigo é uma adaptação da obra “História do Tocantins”, escrita pelo renomado historiador Osvaldo Rodrigues Póvoa (11/05/1925 – 09/11/2023).
NOTA 2: As explicações entre colchetes ([]) foram incluídas para facilitar a compreensão de alguns termos.
Comentários estão fechados.