Memórias de um Ex-Sargento: 7ª Crônica – O Emílio vai bem, Senhor Ministro!
Reflexões sobre o autoritarismo no Brasil de Vargas, o DIP, as mordomias militares e os jornais que resistiram — ou sucumbiram — à censura e ao silêncio
Que tempos aqueles, quando todos tinham que concordar com tudo, quando os direitos humanos ainda não tinham sido inventados — só existiam obrigações!…
Depois, saiu a segunda edição de Filinto Müller, de Etelvino Lins, enfatiotados de democratas, transpirando democracia por todos os poros, regenerados que estavam.
Havia muitos Filintos, muitos Etelvinos por aí, e ainda os há, mas eu não tenho um computador na cabeça para mencionar muitos nomes sem recorrer a uma pesquisa…
Dizia eu que Getúlio Vargas tinha muitos homens a incensá-lo. João Alberto Lins de Barros, que também foi Chefe de Polícia, de quem falavam horrores, em verbas secretas — não sei se justa ou injustamente —, Osvaldo Aranha, Joaquim Pedro Salgado Filho, Apolônio Sales, Marcondes Filho, etc., etc.
Quem me falou de verbas secretas foi um investigador, que trabalhava para a Chefia de Polícia e morou algum tempo na pensão da Rua Ipiranga.
Havia gente boa entre eles. O ministro Joaquim Pedro Salgado Filho, primeiro Ministro da Aeronáutica, por exemplo, era um modelo de homem sem rompantes. Certa vez, às sete da manhã, estava eu de sargento da guarda — não me lembro se no governo do ministro José Linhares (de transição) ou no do general Dutra —, quando observei a aproximação de um carro preto, oficial, que parou a uns dez metros do portão, onde fui encontrá-lo.
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Virgem Nossa! Era o ministro — e eu já me apressava a pôr a guarda em forma para as honras de praxe.
— Sargento — ele me chamou.
— Sargento Póvoa, nº 42, da 2ª Seção! (Esse passou a ser o meu número, pois havia ocorrido uma renumeração naquele ano).
Ele correspondeu à continência com um aceno cordial.
— Como vai o Emílio?
— O Emílio vai bem, senhor ministro!
O cabo Emílio Grandmasson Salgado, filho dele, era um sujeito bom, sem aquelas manias de grandeza. Foi reco como qualquer um que vinha servir à Pátria, foi chamado de reco imagem do cão, filho disso, filho daquilo — que essas coisas são rituais para introduzir os recrutas numa comunidade nova, não tendo o objetivo de ofender ninguém.
— Traqueja ele aí, sargento?
— Ah, senhor ministro, o Emílio é boa praça. Vossa Excelência quer falar com ele?
— Quero. Quero deixar este carro com ele e levar o que ele trouxe.
(Mordomia é coisa velha! Um carro para o ministro, um carro para o filho e outro para quem mais?).
No tempo dos interventores, que eram delegados de Getúlio Vargas nos estados, a gente não sabia bem o que se passava, mas sentia coisas no ar, pois todo mundo tem os seus sensores, e as informações eram ciciadas de ouvido em ouvido. Naquele tempo, havia um negócio chamado DIP — Departamento de Imprensa e Propaganda — que hoje pouca gente sabe o que é. Claro que me refiro ao povão, esse que toma trem na Central do Brasil, viaja nos ônibus superlotados das grandes cidades, os operários do ABC… e até do alfabeto todo!…
Mas há gente com tinta de intelectual (intelectual, é?) que também não sabe o que é isso. Pois é para estes que eu digo: o DIP era um bicho-papão, comedor de gente. Usava dois pesos e duas medidas. Suturava a boca dos jornais (jornal tem boca?) ou untava de mel os seus lábios (se tem boca…) conforme pretendessem criticar ou louvar o governo. Se necessário, a polícia entrava em cena, Filinto Müller mandava arrancar as unhas — e até a vida. (Cadê Dona Olga Benário Prestes?)
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(Não façam essa pergunta ao marido dela, não, que ele talvez não dê uma resposta clara, pois ele é político — além de tudo, radical — e todo político tem um traço comum: são cheios de meneios intelectuais, de segundas intenções, de rodeios, de restrições mentais, deixando sempre algo indefinível.)
O velho e combativo Diário de Notícias, de Orlando Ribeiro Dantas, e o Correio da Manhã, de Paulo Bettencourt — jornais do Rio — morreram. Morreram os jornais e os donos.
Sobreviveram à era getulista, mas foram definhando, definhando, e as coisas se complicaram com os ventos da modernização, as dificuldades econômicas e… acabaram não resistindo.
O Estado de São Paulo, que Gondim da Fonseca (Que sabe você sobre petróleo?) batizou pejorativamente de Estadão, do velho Júlio Mesquita (Será que a memória não me traiu?), assim como O Globo, de Irineu Marinho, resistiu ao caudilho gaúcho, fazendo malabarismos para não sucumbir. Outros diários, seguramente, passaram pela mesma experiência.
Se você achou esse relato interessante, saiba que ele integra a obra Memórias de um Ex-Sargento, escrita pelo historiador Osvaldo Rodrigues Póvoa (11/05/1925 – 09/11/2023). Fique atento: a continuação da história — que aborda as mordomias e a censura durante a ditadura Vargas — será publicada aqui no site Mundo em Revista na próxima quinta-feira, 05 de junho de 2025!
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