Memórias de um Ex-Sargento: 4ª Crônica – “Samba em Berlim”
Memórias de 1945: do voluntariado militar a uma noite de patrulha
Quando decidi servir ao Exército, no início de 1945 — pois precisava da quitação militar —, lembrei-me de recorrer aos préstimos do General Antônio Felipe Xavier de Barros, conhecido como General Filipinho, como eu já ouvira falar ainda na minha terra. Ele era goiano de Taguatinga, no Nordeste de Goiás. Eu queria me apresentar como voluntário e buscava uma orientação ou recomendação para alguma unidade.
O general era da Intendência — um quadro que não lida diretamente com a tropa — e, sem muitas opções, encaminhou-me a um subordinado, também seu conterrâneo e protegido:
— Procure o Cabo Otacílio. Ele vai lhe orientar direitinho!
Coitado! O que poderia o cabo fazer diante da autoridade de um general? Fiquei desanimado, como era de se esperar, após ser rebaixado — ao menos simbolicamente — de general a cabo.
Não me lembro exatamente como, talvez por sugestão do próprio Cabo Otacílio de Queiroz, acabei no gabinete do Coronel Napoleão de Alencastro Guimarães, então diretor da Estrada de Ferro Central do Brasil.
Ele me recebeu com cordialidade. Senti-me à vontade com seu jeito atencioso. Expus meu problema, e ele, após falar ao telefone com um colega, encaminhou-me ao Capitão Aníbal, que estava no Quartel-General do Exército, ali ao lado.
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O capitão, por sua vez, conversou com o comandante do Forte de Caxias, buscando saber se havia possibilidade de receber voluntários. Apresentei-me ali e fiquei aguardando a incorporação, junto a quatro companheiros.

Vestido com uma farda de recruta — geralmente larga demais —, costumava sair com Adolfo Veiga Visali.
Certo dia, ele me convidou para tomar um “Samba em Berlim”. Diante do meu olhar confuso, já que eu achava que samba era apenas para dançar, ele explicou: era uma bebida, mistura de cachaça com Coca-Cola. Nunca perguntei se o nome tinha relação com a guerra, embora isso parecesse provável.
Entre os recrutas que chegaram comigo, o José Alfredo era o mais humilde — talvez por ser quase analfabeto —, mas era muito corajoso.
Certa vez, eu estava de serviço como sargento da guarda quando alguém avistou, do posto, um homem maltrapilho rastejando pela praia à noite, em direção ao quartel. Imediatamente, informei o oficial de dia, o Tenente Hernani.
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Recebi instruções e saí em patrulha com o Cabo Antônio Pereira Bóia. Baixo, forte, ruivo e desbocado, ele era figura conhecida.
— Cabo Bóia, siga pela Avenida Atlântica com o Campista e o Augusto. Eu vou pela Rua Gustavo Sampaio com o José Alfredo e o Clélio. Manteremos contato pelas transversais.
Logo ao sair do quartel, algumas crianças nos disseram que o homem havia deixado a praia e provavelmente seguira pela Rua Gustavo Sampaio, que começava na praça em frente ao quartel.
Segui com cautela e, ao passar pelos fundos do Edifício Tietê, encontrei o Cabo Bóia. Nada havia. Retomamos o plano original, e, já próximos ao Edifício Iramaya, um garoto se aproximou correndo:
— Sargento, ele está sentado num banco da Avenida Atlântica, logo ali!
Aceleramos o passo pela Rua Aurelino Leal e, ao chegar à avenida, avistamos o homem.
— Vamos agarrá-lo, José Alfredo!
— Vam’bora!
A cerca de dois metros de distância, parei e o intimei:
— O senhor está preso! Acompanhe-me até o quartel!
Era um homem negro, vestia um paletó escuro muito surrado e calças acinzentadas, também bastante gastas. Ao ouvir a voz de prisão, levantou-se e pareceu sacar algo debaixo do paletó. Dei um passo atrás e levei a mão ao sabre, pronto para me defender — ou atacar, se necessário. Não foi preciso: José Alfredo já o havia imobilizado com ajuda de Clélio Silva.
— Não se mexa, bandido! — gritou José Alfredo.
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O homem carregava um espeto de ferro escondido sob o paletó, que foi imediatamente recolhido pelos soldados. Irritado, José Alfredo o empurrou rumo ao quartel e queria agredi-lo, mas eu o impedi:
— Não faça isso, José Alfredo. Não precisa empurrá-lo, ele já está indo.
No quartel, ele foi interrogado pelo Tenente Hernani, mas respondeu coisas sem sentido. Provavelmente era um alienado mental — e não um terrorista. O tenente chamou a polícia, que levou o homem sob custódia.
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