Memórias de um Ex-Sargento: 8ª Crônica – Bastidores da ditadura Vargas

O Rio de Janeiro e a queda de Getúlio: um relato dos anos 1940

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Hoje (em 1945), o Estadão passou a ser um símbolo da imprensa combativa, que traz a seriedade da tradição de luta. Desvencilhou-se do toque pejorativo que o Gondim lhe quis imprimir, ganhando cores e aura de simpatia.

Com o Departamento de Imprensa e Propaganda(DIP) não se brincava. Seu diretor se chamava Lourival Fontes, o chefe dos homens do bisturi, que cortavam as inconveniências que os jornais pretendessem publicar, das equipes dos manipuladores das agulhas de sutura, para costurar as bocas dos boquirrotos.

O DIP cuidava para que a imagem do Velho estivesse presente em quase todos os lares, em todos os lugares. O Velho era ele, Getúlio Vargas. Qual era a casa que não tinha um retrato dele na parede? Havia mais retrato dele do que estampa de Jesus Cristo — e crente não aceita estampa de santo, mas a de Getúlio tinha que aceitar! Anos depois, do subconsciente de um admirador, brotou aquela marchinha de carnaval, mandando botar “o retrato do Velho outra vez“.

O DIP procurava popularizar a figura do Baixinho (um dos seus apelidos), sabido como ele só, que conseguia passar para trás os políticos mediante o artifício dos golpes de mão, da matreirice, da esperteza. Havia gente que exaltava essas artes do Velho.

— Gaúcho, quando senta em riba da sela, não quer apear mais! Fica galopando, galopando… e esquece de descer.

Na pensão de dona Alexandra, a grega da Rua Ipiranga, no Bairro das Laranjeiras, ouvi muitas vezes falarem isso. O potro éramos nós, o Brasil — dócil, cordato. Hoje o negócio é diferente. Se alguém demora um pouco mais do que o previsto, logo começam a gritar:

— Desce daí de riba, s’iô! Deixa os outros montar também…

Os outros começam a falar de direitos humanos, que é preciso mudar, que o povo já anda cansado de tanta incompetência, dos escândalos, das mordomias, e mais isso, e mais aquilo…

— Vocês estão é com saudade das mamatas! No tempo de vocês era muito pior! Famintos! Por que não consertaram o Brasil?! Estão é com saudade dos quinze anos de mordomias…

O senhor Mário (Mário de quê, gente?), em cuja casa aluguei um quarto na Rua Bento Lisboa, não tolerava o Velho.

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Essa gauchada chegou aqui, amarrou os cavalos no obelisco da Avenida Rio Branco e tomou conta do Rio! Aliás, tomou conta do Brasil…

A gauchada a quem ele se referia eram Getúlio Vargas, Osvaldo Aranha, Joaquim Pedro Salgado Filho, etc., etc.

Pois bem, depois de ter desviado um pouco da rota — mas nem tanto, pois estava apenas elucidando o comportamento das pessoas —, vou voltar ao Baixinho. (Este era o apelido, ao que parece, preferido pelos íntimos, pelos admiradores mais ligados ao Palácio do Catete. Os adversários, porém, diziam que ele era baixo em tudo, principalmente nos seus atos…).

Sabem por que ele caiu?

Como já disse, ele nunca tolerou eleição, nem indireta. Eleição não enche barriga de ninguém, diziam os áulicos palacianos, refletindo a convicção do chefe.

Não houve, porém, como evitar a evolução dos acontecimentos. A guerra havia terminado na Europa em maio de 1945, com a queda do nazismo e do fascismo. Um anseio de liberdade varreu o Brasil em toda a sua extensão. Para tranquilizar o povo, Getúlio Vargas acenou com a realização de eleições, indicando para sucedê-lo seu Ministro da Guerra, o general Eurico Gaspar Dutra.

Depois, seguindo sua inclinação natural, iniciou um trabalho de solapamento da candidatura do general Dutra — ao que se acreditava, porque ele mesmo pretendia ser o futuro presidente. Queria passar uma rasteira no seu ministro.

O general Dutra, que ao longo dos anos vinha sendo o sustentáculo do ditador, encheu-se de brios, confabulou com o general Pedro Aurélio de Góes Monteiro, e foi o bastante. Desse modo, o velho caudilho foi descido do potro — que, de boa vontade, ele não apearia nunca!

O ministro José Linhares, do Supremo Tribunal Federal, assumiu o governo até que fosse eleito o general Dutra, que, inteligente, fez um governo de união nacional. Os adversários, patriótica e inteligentemente, aceitaram o aceno de paz do presidente Dutra, que realizou um governo tranquilo e de consideráveis realizações.

Mas o Agamenon, aquele estudante profissional, não gostava dele. Durante algum tempo, o restaurante teve que passar por reformas e passou a funcionar no 16º andar do Ministério da Educação, na Esplanada do Castelo. Ao lado da fila do elevador, ficava ele, o Agamenon, fazendo chacota do presidente Dutra:

— Governinho micha. O povo tem razão, ele é burro mesmo!…

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Com a volta de Getúlio, ele estava feliz! João Goulart ministro, um emprego para ele ali no Ministério do Trabalho — até aquele dia em que se recusou a fazer coisa errada. Com o suicídio, ele foi chorar junto ao caixão mortuário…

O presidente Dutra deixou um exemplo que não frutificou. Isso é dos homens — dos políticos, principalmente. O que eles ganham em radicalismo, perdem em inteligência e sensibilidade.

Se você achou esse relato interessante, saiba que ele integra a obra Memórias de um Ex-Sargento, escrita pelo historiador Osvaldo Rodrigues Póvoa (11/05/1925 – 09/11/2023). Fique atento: a continuação da história — que aborda as mordomias e a censura durante a ditadura Vargas — será publicada aqui no site Mundo em Revista na próxima quinta-feira, 12 de junho de 2025!

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