Movimento separatista instaura um governo provisório no norte de Goiás
Em 1821, Felipe Antônio Cardoso lidera um movimento separatista e instaura um governo provisório no norte de Goiás, desafiando a ordem imperial
Felipe Antonio Cardoso assume o movimento separatista
O capitão Felipe Antônio Cardoso, discordando de Segurado, assumiu a chefia dos rebeldes e organizou um novo governo. Segundo Alencastre, o governo provisório ficou assim constituído:
- Tenente-coronel Pio Pinto de Cerqueira;
- Capitão Lúcio Luiz Lisboa;
- Tenente José Bernardino de Sena Ferreira;
- Silvério José de Sousa Rangel;
- Tenente Joaquim José da Silva
Criada uma província autônoma
Um decreto do governo provisório desmembrou de Goiás a Comarca da Palma e a constituiu, em sua jurisdição, como uma província autônoma. O tenente José Bernardino de Sena Ferreira, que se fez acompanhar do presidente da Câmara, Francisco José da Silva, do cadete José Alexandre e do soldado José Peçanha, foi enviado ao Rio de Janeiro para pedir a anuência do Imperador ao novo governo. Uma escolta de 40 soldados acompanhou-o até os limites da província.
Enquanto isso, em 29 de setembro, Manoel Inácio Sampaio tomava conhecimento da insurreição por meio de carta do vigário de Traíras e de outros elementos, inclusive o já mencionado vigário de Cavalcante. Foram dramáticos aqueles dias para o governador Manoel Inácio Sampaio, que buscava um caminho que o levasse a uma solução sem o sacrifício do derramamento de sangue.
Analisando melhor as possíveis consequências de uma confrontação, decidiu não fazer marchar o contingente que fora organizado e que seria comandado pelo tenente Antônio José Gomes de Oliveira Tição. Enquanto acusava o padre Luiz Bartolomeu Marques como um dos responsáveis pelas ocorrências no Norte, conjecturava haver instigações vindas dos sertões da Bahia, e não excluía a possibilidade de retirar-se da capitania para evitar o conflito.
Em proclamação de 1º de outubro de 1821, o governador fazia as mais severas acusações ao padre Luiz Bartolomeu Marques, a quem chamava de “o cabeça, o motor da desordem”, e ao vigário de Cavalcante, por instalar “um intruso governo” neste arraial.
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As rivalidades e desentendimentos entre os chefes separatistas muito contribuíram para lançar dúvidas, no seio da população, sobre a validade do movimento rebelde.

A missão Camargo Fleury
Coube à Junta Provisória, que sucedeu a Manoel Inácio Sampaio, tomar as medidas que tinham como objetivo a unificação da província, já em novembro de 1822.
Foi incumbido dessa missão o padre Luiz Gonzaga de Camargo Fleuri, membro da Junta Provisória de Vila Boa, que, embora pretendesse dar uma feição pacífica à sua missão, fez-se acompanhar do coronel Alexandre José Leite Chaves, do sargento-mor José Antônio Ramos Jubé e de um contingente de 22 praças da companhia de dragões e 16 da de pedestres.
Ponderosas e extensas eram as instruções dadas ao padre Camargo Fleuri, “outorgando-lhe plenos poderes para, em nome da mesma junta, fazer quanto pudesse para mover a dita comarca a abraçar a causa do Brasil e a fortificar um ponto no Tocantins, que julgasse mais conveniente para impedir o ingresso de tropas que pudessem vir das províncias”.
No dia 15 de novembro, partiu o padre Camargo Fleuri, cheio de ânimo e confiança no sucesso da missão que lhe fora confiada. Segundo as instruções, concitava o povo dos lugares por onde passava a unir-se em torno da capital, aconselhando-o a jurar fidelidade ao príncipe D. Pedro, como aliás já fizera o Governo de Natividade, ao abraçar a sugestão de José Bernardino de Sena Ferreira, que recebera a incumbência de ir ao Rio de Janeiro pedir apoio daquele governo.
Através de jornais vindos da Bahia, o capitão Felipe, que se achava em Arraias, tomou conhecimento das últimas novidades que culminaram com a independência, ficando D. Pedro como imperador. Sem perda de tempo, encaminhou esses jornais ao Governo de Natividade para que ali também se tomasse conhecimento do fato.
Dirigindo-se à casa do juiz ordinário, onde reuniu amigos, fez reconhecer a regência do imperador. Por esse tempo, já se sabia em Arraias que o padre Camargo Fleuri se encontrava em missão no Norte e das adesões que vinha recebendo.
Tomadas essas providências, o capitão Felipe seguiu para Cavalcante, onde encontrou o coronel Alexandre, que vinha na frente da comissão. Ali, procurava dispor o povo ao “reconhecimento da causa nacional” e ao juramento da independência, o que se efetivou em 20 de janeiro.
O capitão Felipe, contrário à reintegração da província de São João da Palma à de Goiás, interpretando os sentimentos do povo, fez assinar um protesto contra a pretendida reintegração, pois, segundo ele, as medidas tomadas pelo coronel Alexandre relativamente a esse assunto só poderiam ter validade por ordem do imperador.
Naquele mesmo dia 20, chegou o padre Camargo Fleuri, que, tomando conhecimento de que o capitão Felipe Antônio Cardoso se insurgira contra as medidas já adotadas, mandou prendê-lo e encaminhá-lo para a capital. (Camargo Fleuri afirma ter chegado a Cavalcante no dia 18 de janeiro de 1823.)
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Estabelece-se o caos no Norte
Com os desentendimentos entre os líderes do movimento rebelde, a Câmara da Palma tomou partido contrário ao do Governo de Natividade. Como consequência, foi extinto o foro civil da Palma e removidos os seus arquivos.
O tenente-coronel Pio Pinto de Cerqueira, que então acumulava as funções de ouvidor, destituiu o ouvidor Febrônio José Vieira Sudré, que, na qualidade de juiz ordinário, havia assumido a vaga deixada pelo falecimento de João Esteves de Brito, nomeado anteriormente pelo ouvidor Segurado.
O fato de Febrônio acumular também a presidência da Câmara acirrou ainda mais os ânimos entre os grupos envolvidos, mergulhando a administração do Norte no caos. Alguns julgados obedeciam ao ouvidor Pio, outros a Febrônio, e havia ainda aqueles que, diante da confusão reinante, não reconheciam autoridade alguma. A vila da Palma e o julgado de Arraias eram exemplos claros dessa anarquia.
Instaura-se a devassa
Uma força partiu de Natividade para prender os vereadores da Palma, mas estes já haviam fugido para Arraias. De Cavalcante, o padre Camargo Fleuri seguiu para Arraias, onde soube que o ouvidor Febrônio, em obediência a uma deliberação da Câmara da Palma, datada de 6 de fevereiro de 1823 (Alencastre registra a data de 16), com fundamento no aviso de 11 de novembro de 1822, realizava uma devassa contra os “demagogos” e “anarquistas”, como passaram a ser chamados os partidários da criação da Província de São João da Palma.
Em consequência da devassa realizada pelo ouvidor Febrônio, foram pronunciados: o tenente-coronel Pio Pinto de Cerqueira, o capitão Felipe Antônio Cardoso, o alferes Antônio Joaquim Ferraz, o capitão João Batista da Cruz Monte, Silvério José da Silva Rangel, o tenente José Bernardino de Sena Ferreira, o capitão Lúcio Luiz Lisboa, o tenente Joaquim José da Silva e Manoel Mateus Ferreira.
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