Como surgem as falsas memórias na nossa mente?

Entenda o papel da memória pessoal autobiográfica na formação de lembranças detalhadas e como o cérebro codifica essas experiências

Quem não se lembra do primeiro beijo de amor? Ou ainda sente o gosto dos doces da avó que provava após tardes inteiras de brincadeiras? Lembranças boas, né? Pois, cada um tem a capacidade de reviver momentos felizes, ainda que tenha sua própria história. Essas lembranças são parte da nossa memória pessoal autobiográfica, que nos permite reviver etapas importantes da nossa vida.

Só para você entender um pouco melhor, quando nos recordamos de algo que vivemos há muito tempo, o cérebro adota um estado especial de consciência. Para isso, a mente recapitula os acontecimentos mais importantes, como se projetasse um filme. E é justamente essa capacidade de viajar no tempo e reviver o passado que se encaixa nesse conceito.

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O que é a memória pessoal autobiográfica?

De modo geral, a memória pessoal autobiográfica é a capacidade do cérebro de reviver momentos passados com riqueza de detalhes. Assim, quando nos recordamos de algo que vivemos há muito tempo, ele entra em um estado especial de consciência, recapitulando os acontecimentos mais importantes como se fosse um filme.

Quando começa a memória pessoal autobiográfica?

A princípio, essa memória se inicia já no primeiro registro vívido, que surge por volta dos três anos. Ou seja, a criança tem noção de si mesma, uma linguagem incipiente e certa maturação cerebral. Muita gente conhecida, inclusive, já falou disso. Só para ter uma ideia:

  • Leonardo da Vinci lembrava de uma pessoa que atacou seu berço e bateu em seus lábios
  • Frida Kahlo imaginava que uma amiga aparecia atrás da janela
  • García Márquez contava que, quando era muito pequeno, em Aracataca, seu avô o levou para ver um dromedário do circo.

Ou seja, ainda que a gente viva tanta coisa, o cérebro encontra um jeito de guardar essas memórias em algum cantinho.

O poder das emoções

Ocorre que ao longo de nosso desenvolvimento, a memória continua registrando eventos emocionais. Na juventude, por exemplo, desfrutamos de muitas “primeiras vezes” intensas, além dos sentimentos que as magnificam. Isso permite que, mesmo anos depois, possamos recuperar a emoção daquele instante como se fosse ontem. E isso se dá justamente pela memória pessoal autobiográfica.

Aliás, neste sentido, ela é bem detalhista, a ponto de até incluir informações multissensoriais. Por isso, sempre que sentimos o cheiro de uma rosa, imediatamente viajamos ao quintal da avó. Ou, conseguimos sentir a textura das mãos dela e mesmo o cheiro fumegante dos pratos. Mais ainda, temos muito vívida lembranças do tipo:

  • rostos
  • expressões
  • tom grave das vozes
  • risadas

A memória pessoal autobiográfica também pode ser seletiva

Infelizmente, não vivemos só de boas lembranças, né? Por isso, quando se trata de eventos traumáticos, a memória também conserva a dor. Uma matéria do jornal El Litoral trouxe o exemplo de María Velón, vítima do tsunami de 2004 na Tailândia cuja história até virou filme- Segundo o texto, a mulher ainda se estremece ao recordar da onda que a separou de seus filhos.

Na mesma matéria, um ancião centenário, interrogado na televisão, ainda tremia ao contar a experiência de uma bala que roçou sua têmpora na Guerra Civil, aos 18 anos. Ok, mas tanto no que toca às memórias boas quanto ruins, por que recordamos com tanta nitidez momentos críticos da nossa história pessoal?

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Milhões de neurônios trabalhando

Graças à neurociência, sabemos que a informação se codifica por estruturas cerebrais que atuam em conjunto. Em detalhes, essas diversas partes atuam assim:

  • o hipocampo codifica detalhes espaciais e liga informações do córtex visual
  • a amígdala se ativa para reativar a emoção
  • no córtex pré-frontal, essas sensações são ordenadas, compondo um relato coerente.

Ou seja, para gerar a memória pessoal autobiográfica, há milhões de neurônios se interconectando em uma atividade frenética. Ainda que nem uma ressonância magnética permita vislumbrar isso como um todo, nossa mente participa de forma ativa na construção das lembranças.

Graças a essa atividade toda, armazenamos memórias e, mais tarde, recuperamos essas cenas passadas por meio de uma reconstrução que nem sempre é totalmente exata. Alguns detalhes se consolidam, outros decaem. O trauma se intensifica ou se atenua. Em algumas ocasiões, uma nova informação pode ser incorporada, preenchendo lacunas mentais e criando falsas memórias.

As memórias pessoais, sejam boas ou ruins, influenciam nossa história. E você, quais são suas memórias mais marcantes?

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