História do Tocantins: Declínio da mineração na Capitania de Goiás
O declínio da atividade mineradora no norte da Capitania de Goiás (Tocantins), no século XVIII, desencadeou transformações profundas na economia local.
Quando o Brigadeiro Antônio Carlos Furtado de Mendonça assumiu o governo da Capitania de Goiás, percebeu, com grande preocupação, a vertical queda da produção de ouro.
Governador da Capitania vai ao norte
Novo governador organiza bandeiras
O governador organizou quatro bandeiras com o objetivo de realizar novos descobrimentos, sendo que Alencastre(1) relata informações sobre duas delas.
Uma dessas bandeiras, ao dirigir-se ao Pontal pela margem esquerda do Tocantins, enfrentou um confronto violento com os Xavantes na margem do Ribeirão das Almas, episódio em que o Capitão Maximiano perdeu a vida, vítima de um ataque realizado por um indígena que integrava a expedição.
Outra bandeira partiu de Traíras, sob o comando do Capitão José Machado, em direção às margens do Araguaia, em busca dos tão falados “Martírios”, que seriam fonte de uma riqueza fabulosa. No entanto, a expedição conseguiu alcançar apenas a extremidade sul da Ilha do Bananal, onde enfrentou confrontos com os Carajás e os Javaés, sendo forçada a retornar devido ao receio de novos embates com os indígenas.
Compromisso de paz e fidelidade ao rei
Antes de retornar a Vila Boa [hoje a cidade de Goiás], o Capitão José Machado conseguiu estabelecer um acordo com o cacique dos Carajás, Aboé-noná, garantindo o compromisso de fidelidade ao rei e a promessa de manter uma paz permanente com os portugueses.
O documento, datado de 1º de agosto de 1775, na Ilha do Bananal, foi assinado por Aboé-noná, José Pinto da Fonseca, José Machado de Azevedo, Frei Francisco da Vitória e Antônio Pereira da Cunha.
Os dois caciques da aldeia dirigiram ao governador da Capitania a seguinte correspondência:
“Na minha terra chegou tua gente, senhor, dando para nós muitas coisas que estimamos, e um papel que para nós fala de coisas boas. Teu filho me diz que és de coração bom e que o grande pai dos brancos quer tomar cuidado pela gente de nossa pele; dize tu a eles que sejam sempre nossos camaradas. Quando teu filho for para tua terra, eu mando meu filho visitar tua casa, e espero, senhor, que tu o mandes de volta para que meu coração não fique doente.
Ilha de Santana, 1º. De agosto de 1775 – Abononá. – Acabé-du-ani“.
No dia seguinte, José Pinto da Fonseca realizou uma visita à aldeia dos Carajás, percorrendo as diversas ocas e permanecendo lá durante a maior parte do dia. Ele constatou que o principal aldeamento dos Carajás contava com mais de 600 arcos e atribuiu a ele o nome de “São Pedro do Sul“.
Alguns dias depois, visitou também a aldeia dos Javaés, que havia recebido o nome de “Ponte de Lima” pelo Ouvidor Cabral.
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As bandeiras não alcançaram o objetivo maior
Nada de relevante foi alcançado em relação ao principal objetivo das expedições. O local dos “Martírios” permaneceu desconhecido, e o fracasso das investidas não permitiu esclarecer as causas da queda na produção das minas.
Enquanto isso, a fundição de São Félix continuava a registrar uma redução na fundição de ouro, mesmo após a descoberta da Mina de Ouro Pobre em Arraias, no ano de 1783. A mina recebeu esse nome devido à cor escura do ouro produzido, que, evidentemente, não possuía o mesmo valor do ouro extraído de outras minas. Alencastre(1) menciona o termo “Ouro Podre”, embora a denominação “Ouro Pobre” pareça mais adequada.
Tumulto nas minas de Ouro Pobre, de Arraias
As minas de Ouro Pobre atraíram para Arraias uma onda de aventureiros da pior índole. A ausência inicial de um guarda-mor, responsável por regulamentar os procedimentos de exploração, não apenas deixou a área desprotegida, mas também incentivou a invasão desordenada da região.
Assim que chegou, o guarda-mor ordenou que a população interrompesse imediatamente os trabalhos. Contudo, diante da desobediência generalizada, foi obrigado a recorrer à força para fazer valer sua autoridade. O confronto entre a população e as forças oficiais resultou em mortos e feridos, além de graves desdobramentos.
O Ouvidor Antônio de Liz foi chamado a intervir nos distúrbios e deu início a processos judiciais contra os envolvidos. Como consequência, alguns fugiram, enquanto outros as autoridades prenderam e levaram para Vila Boa.
Tristão da Cunha invade minas de Jacobina, na Bahia
A busca pelo precioso metal gerou um sério transtorno para o governo de Tristão da Cunha Meneses. Ignorando o respeito a outra jurisdição, ele ordenou que o guarda-mor da Conceição, na ausência do ouvidor, se dirigisse a Jacobina, no interior da Capitania da Bahia, para tomar as medidas necessárias em relação às ricas minas de ouro de alta qualidade descobertas no local chamado Rio das Éguas.
Foram emitidos editais anunciando a nova situação, e um registro [posto fiscal] foi instalado no local, protegido por uma guarnição de dragões.
O Ouvidor de Jacobina, ao tomar conhecimento das ações em sua jurisdição, mobilizou um grupo numeroso de homens armados e foi até o Rio das Éguas. Lá, ordenou a retirada dos editais, anulou as partilhas realizadas pelos invasores e apresentou uma firme reclamação aos governadores de Goiás e da Bahia.
Embora contrariado, Tristão da Cunha foi obrigado a ceder à força da justiça, como lhe foi explicado pelo Ouvidor Antônio de Liz, encerrando assim o conflito de jurisdição.
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Tristão da Cunha recua mas fecha fundição de São Félix
A baixa produção das minas do Norte levou as autoridades a decidirem pela transferência da fundição de São Félix para Cavalcante. No entanto, a medida resultou em grande decepção.
Enquanto em 1792 a fundição de São Félix produziu 114 marcos [1 marco = 246,784 gramas, à época] de quinto [imposto cobrado pela Coroa Portuguesa sobre todo o ouro encontrado em suas colônias], três anos após ser estabelecida em Cavalcante, a produção caiu drasticamente, rendendo apenas 19 marcos.
Razões do declínio da produção do ouro
Entre as principais razões para o declínio da produção de ouro, destacam-se:
- O esgotamento natural das minas ou as crescentes dificuldades em sua exploração.
- O contrabando de ouro.
- A necessidade de destinar mão de obra e recursos para a produção de alimentos.
À medida que as minas se tornavam mais profundas, o trabalho dos escravizados enfrentava grandes desafios, principalmente devido à dificuldade em drenar a água que surgia em abundância. Quando George Gardner(2) visitou Conceição, em fevereiro de 1840, encontrou muitas escavações abandonadas e mencionou essa dificuldade como um dos fatores principais.
Em conversa com o pároco local, este explicou que o uso de bombas era inviável, já que ele mesmo só sabia de sua existência por relatos. A drenagem da água era então feita manualmente: escravizados se alinhavam desde o fundo da mina até a superfície, passando vasilhas cheias de água de mão em mão para despejá-las fora. Era um processo rudimentar e pouco eficiente.
Quanto ganhava um escravo nas minas, segundo Gardner
Ele também relata que os escravizados empregados na mineração não entregavam todo o ouro extraído aos seus senhores. Isso ocorria porque precisavam suprir suas próprias necessidades, como alimentação e vestuário. O que recebiam como pagamento por seu trabalho era cerca de seis xelins por semana, o equivalente a NCrz$0,30 (trinta centavos de Cruzado Novo) pela cotação da época, considerando uma libra valendo 2 cruzados novos. Esse valor era claramente insuficiente para garantir seu sustento [atualmente seria o equivalente a R$ 0,000000109]
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Os desvios do ouro
Como já mencionado, os desvios de ouro também contribuíram sobremaneira para que as estatísticas oficiais registrassem uma queda na produção das minas.
Durval C. Godinho, em “História de Porto Nacional”, exemplifica essa situação ao descrever a ostentação de riqueza e luxo que predominava no Carmo entre o final do século XVIII e parte do século XIX. Naquela época, a aristocracia local “mantinha estreita relação com o Velho Mundo”, utilizando os famosos botes como canais para escoar [desviar] inúmeras arrobas de ouro e para introduzir artigos de luxo europeu.
Crescimento da agropecuária
Além disso, a crescente necessidade de alimentar uma população em expansão direcionou muitos trabalhadores, antes dedicados para a mineração, para atividades agrícolas e pecuárias.
Homens com recursos passaram a enxergar nessas atividades uma oportunidade para ampliar suas riquezas. A agropecuária começou a competir com a exploração do ouro, promovendo o comércio e a circulação de riquezas de maneira mais estável e sustentável.
As grandes fazendas para exploração da agricultura e pecuária
No próximo artigo, abordaremos em detalhes as grandes fazendas de criação de gado que se estabeleceram desde o início do século XIX, superando os constantes desafios impostos pelos ataques indígenas, especialmente dos Xerentes, que ocupavam vastas áreas do Vale do Tocantins e as regiões fronteiriças com a Bahia e o Maranhão.
Notas:
- J.M.P Alencastre em Anais da província de Goiás, 1863, edição patrocinada pelo governo de Goiás através da Sudeco em 1979
- George Gardner – Viagens pelo Interior do Brasil 1836/1841 – Nova York
- Este texto é uma adaptação do livro História do Tocantins, obra do renomado escritor e historiador Osvaldo Rodrigues Póvoa (11/05/1925 – 09/11/2023).
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