História do Tocantins: conflitos nos aldeamentos e a revolta indígena de 1757

Conheça os conflitos entre jesuítas e o Coronel Venceslau nos aldeamentos do Duro e Formiga, que culminaram na revolta indígena de 1757

Já falamos por aqui sobre os problemas enfrentados nos primórdios da povoação do Tocantins, quando os ataques indígenas a mineiros e criadores de gados eram frequentes e demandaram atuação do governo. A solução encontrada levou à criação dos primeiros aldeamentos no Tocantins, sob o comando de D. Marcos de Noronha e do Coronel Venceslau Gomes. Mas o que aconteceu depois?

A administração conturbada do Coronel Venceslau nos aldeamentos

Os Jesuítas não aceitaram pacificamente a administração do Coronel Venceslau, nem mesmo toleravam a ingerência civil nos seus aldeamentos que, segundo eles, atrapalhavam o trabalho missionário. Passaram então a insuflar os indígenas, instigando-os à insubordinação para fazer fracassar a administração.

Os Jesuítas chegaram a abandonar as aldeias, mas sem deixar de exercer uma influência prejudicial sobre os índios, levando-os, afinal, a um levante em 1757, contra o diretor e a força aquartelada no Aldeamento do Duro. Depois de praticar muitas violências, os indígenas voltaram a vida livre das matas.

Palacin, tratando da edificação dos aldeamentos em “Goiás 1722|1822 – Estrutura e Conjuntura numa Capitania de Minas”, registra que um inquérito realizado sobre administração destes aldeamentos apurou grandes roubos do Tenente-Coronel Venceslau Gomes da Silva e que os índios revoltados assassinaram um jesuíta e vários guardas. O Coronel Venceslau, portanto, não esteve à altura da confiança dos elogios que recebeu da Corte de Lisboa.

LEIA MAIS: Família Azevedo: origens, conquistas e legado no Brasil e em Portugal

Alencastre, citando Silva e Sousa, responsabiliza os jesuítas José Vieira e José Batista, que até então “governavam a seu gosto”, pela revolta dos selvagens e suas graves consequências. Infrutíferas foram as tentativas dos defensores dos jesuítas, pois as averiguações realizadas confirmaram sua responsabilidade.

José Vieira era natural de São Paulo, filho de Maria Vieira da Cunha e Gaspar de Matos, este português, natural do Arcebispado de Praga. Ele podia, pela naturalidade, permanecer no Brasil, mas preferiu ir para a Itália, quando o Marquês de Pombal determinou a expulsão dos religiosos da ordem de Santo Inácio de Loiola, que foram desnaturalizados.

Os altos custos e investimentos na construção dos aldeamentos

A edificação dos aldeamentos exigiu grandes gastos, envolvendo recursos tanto de particulares quanto oficiais. Uma correspondência de D.Marcos de Noronha afirma que os moradores dos arraiais tiveram que contribuir com 1.400 oitavas, dando cada pessoa uma oitava (de onça de ouro – cerca de 3,54 g) por negro.

Diz a informação que o iniciador da campanha de fixação dos aldeamentos foi Antonio Gomes Leite e o trabalho concluído pelo Coronel Venceslau. Isso foi feito mediante o pagamento de 3.000 oitavas de ouro e a concessão do cargo de Tabelião de Vila Boa, Meia Ponte e Traíras, além da Mercê do Hábito de Cristo com 50.000 réis de tença, pólvora, balas, armas e um empréstimo da Real Fazenda no valor de 1.000 oitavas por ano.

LEIA MAIS: Entenda a história por trás da flor vermelha usada pela família real

Experiência dos aldeamentos dos Acroás e Xacriabás

Os indígenas viviam indolentemente nos aldeamentos, não lhes sendo ensinado qualquer ofício, nem mesmo o cultivo da terra para o próprio sustento. O gentio só se manteve aldeado enquanto eram sustentados a “farinha de boi” (farinha e carne). Não aprendeu a trabalhar, mas aprendeu a lidar com arma de fogo, ampliando em muito sua capacidade de ataque.

A consciência com que atacavam os arraiais, mesmo depois da instituição dos aldeamentos, tornou de tal maneira grave o problema dos índios, que o Governador da Capitania, João Manoel de Melo, em carta dirigida à Corte Portuguesa, dizia que a experiência dos aldeamentos dos Acroás e Xacriabás não servia à religião nem ao Estado; que os índios se fizeram rebeldes e apóstatas, opinando que o rei ordenasse a guerra ofensiva contra eles, forçando-os a se retirarem para as florestas, onde o Coronel Venceslau os foi buscar.

Aldeamentos abandonados

Ainda no século XVIII os aldeamentos do Duro e Formiga foram praticamente abandonados com a transferência dos indígenas para S. José de Mossâmedes e Santana do Rio das Velhas.

Os aldeamentos de Duro e Formiga consumiram até o ano de 1810 a quantia de oitenta e quatro contos, quinhentos e noventa mil e duzentos e quarenta e nove réis.

Aldeamento da Missão

Capela da Missão do Duro, localizada no município de Dianópolis (TO) – Foto: Osvaldo Rodrigues Póvoa

O Aldeamento da Missão (Missão de São Francisco Xavier do Duro) acolheu os remanescentes da Aldeia Formiga, destruída pelos Acroás.

LEIA MAIS: As origens e a história da família Ayres no Brasil

Em 1823 o aldeamento da Missão tinha 36 casas e 201 moradores, além de muitos sem domicílio certo. Os homens estavam agrupados em duas companhias comandadas pelos respectivos chefes. As mulheres, geralmente ociosas, dedicavam-se em parte à agricultura e um capelão missionário prestava assistência religiosa à freguesia de S. Miguel (Almas) sete léguas distante.

Uma légua afastado (ao Sul?) do aldeamento (da Missão) havia um registro, o Registro do Duro. Naquele ano existiam algumas dezenas de índios neste aldeamento: 49 Acroás, 6 Tupinambás, 6 Acroás e 6 Caiapós. Nas duas companhias já mencionadas, em 1824, alistaram-se somente setenta e oito praças.

Cemitério da Missão, localizado no município de Dianópolis (TO) – Foto: Osvaldo Rodrigues Póvoa

LEIA MAIS: As maldições mais enigmáticas que marcaram a história

Os primeiros aldeamentos

Em síntese, conclui-se que edificaram os primeiros aldeamentos em 1751. O de S. Francisco Xavier do Duro ou Aldeia da Missão, nas margens do Córrego Sucuriú, perto da Serra Geral, duas léguas ao sul da cidade de Dianópolis era a sede da Missão de São Francisco Xavier, incumbida da assistência religiosa aos aldeamentos. Ainda hoje [à época de publicação do livro “Histórias do Tocantins”, em 1990] possui cerca de dez casas e uma capela de S. José onde há festejos anuais.

O Aldeamento de Formiga localizava às margens do ribeirão Formiga, afluente do Ribeirão Mombó que desemboca no rio Manoel Alvinho e este no Manoel Alves. Este aldeamento se destinava a dar sustentação de alimentos ao da Missão e foi destruído pelos Acroás. Está a cerca de duas léguas a Noroeste da Missão.

Em 1755, edificaram o aldeamento de São José do Duro ao sul da Missão, possivelmente onde se localizava o Registro do Duro.

Localização aproximada dos aldeamentos do Duro (créditos: “História do Tocantins”, de Osvaldo Rodrigues Póvoa)

Sobre os escândalos ocorridos na administração dos aldeamentos, com o desvio de dinheiro e as intrigas de que resultaram várias mortes e o fuzilamento dos cabeças, parece não restar dúvida de que o jogo de poder e o envolvimento de interesses pessoais foram a causa da tragédia.

Dados anotados por George Gardner

Em outubro de 1839, quando o médico e naturalista inglês George Gardner passou por esta região, demorou catorze dias na Aldeia da Missão, obtendo algumas informações com o velho Capitão Luiz Francisco Pinto. Segundo ele, eram três as aldeias com um total de 1.000 indígenas e que os das outras duas foram posteriormente transferidos para a sua.

Aldeia Graciosa

O Brigadeiro Raimundo José da Cunha Matos mandou edificar a construção em 28 de junho de 1824. Além disso, nomeou-a em homenagem à sua filha Graciana Hermelinda da Cunha Matos. Foi destinada a aldear os Xerentes que pediram paz (desistindo de atacar os mineiros e fazendeiros), e estava localizada na margem direita do Tocantins, nas vizinhanças do ribeirão Taquarussu, doze léguas ao norte de Porto Real (cerca de 72 km).

Para seu diretor, o Brigadeiro Cunha Matos nomeou o furriel de infantaria de linha, Estevão Joaquim Pires, que contava com quatro soldados. Este aldeamento chegou a contar com 800 índios.

LEIA MAIS: 6 tesouros de naufrágios que impressionam pela riqueza e história

Aldeia Carolina

Esta aldeia localizava-se pouco abaixo da Cachoeira das Três Barras, na margem esquerda do rio Tocantins. O núcleo da aldeia era formado por um grupo de 81 cristãos congregados em torno de Antônio Moreira da Silva, que demonstrou habilidade suficiente para cultivar a amizade dos Apinagés, Otogés e Afotigés, povos indígenas próximos à povoação de Moreira.

Esses indígenas habitavam aldeias vizinhas, como a de Bom Jardim, com mil almas; Santo Antônio, situada a cinco léguas do porto de mesmo nome, com mil e trezentas almas; outra aldeia também chamada Santo Antônio, com quinhentas almas; e a dos Afotigés, localizada na atual Carolina, com cento e vinte almas.

Em 1823, o deputado de Goiás, Luiz Gonzaga Fleuri, atribuiu o nome Carolina à antiga povoação das Três Barras em homenagem à Imperatriz.

Apinagés tentam ataque

Em maio de 1824, os Apinagés, instigados por pessoas interessadas a perturbar a harmonia reinante até então, tentaram um ataque de surpresa ao Comandante Moreira e, não conseguindo, retiraram-se em grande número para a Aldeia do Araguaia.

Chegando a Porto Real e tomando conhecimento da tentativa de ataque dos índios, o Brigadeiro Cunha Matos enviou munição e armamentos para o Comandante Moreira. Além disso, deu-lhe ordens para que trouxesse os Apinagés à paz.

LEIA MAIS: Origem da família Almeida: suas raízes portuguesas e herança no Brasil


 Nota 1: Este texto é uma adaptação do livro História do Tocantins, obra do renomado escritor e historiador Osvaldo Rodrigues Póvoa (11/05/1925 – 09/11/2023).

Comentários estão fechados.