História do Tocantins: os primeiros aldeamentos indígenas

Desafios enfrentados por mineiros e criadores de gado diante da resistência dos povos indígenas e os esforços de aldeamento

Desde os primórdios do povoamento no Tocantins, os frequentes ataques de grupos indígenas representaram uma preocupação constante para os mineiros e, posteriormente, para os criadores de gado. Povos como os Acroás e os Xacriabás, entre outros, provocavam o despovoamento e a devastação de áreas como Terras Novas, Natividade e as margens do rio Paranã.

Impactos na navegação no comércio

Esses índios prejudicavam o comércio e tornavam a navegação pelos rios Tocantins e Araguaia perigosa. Sendo assim, demandava a adoção de providências para solucionar ou, ao menos, amenizar esse problema grave.

Em 1743, as autoridades locais já informavam ao Governador da Capitania de São Paulo que os ataques indígenas aos arraiais eram frequentes. Os alvos mais comuns incluíam Natividade, Carmo, Chapada, Taboca (Sucupira) e Almas.

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Aldeamentos e outras soluções tentadas

A solução encontrada foi aldeá-los, submetendo-os à administração de representantes dos Capitães-Generais e de religiosos.

Alencastre registra que o Governador e Capitão-General D. Marcos de Noronha, antes de seguir para o Tocantins, delegou ao Padre Manoel Alves e a seu irmão Gabriel Alves a missão de promover a conquista dos Gueguês, Xacriabás e Acroás, grupos que vinham causando grandes dificuldades com seus ataques às povoações do Norte.

Outra medida tentada para lidar com esse problema foi a contratação de sertanistas experientes, com o apoio dos habitantes locais. A missão desses homens era, pela força das armas, afastar os índios dos arraiais. Para esse propósito, contrataram o sertanista Antônio Pires de Campos, que atuaria junto com índios bororos, integrantes de suas forças de guerra. No entanto, os bororos recusaram-se a segui-lo, temendo não retornar do Norte.

Diante do fracasso dessa tentativa, o ouvidor determinou a criação de companhias de aventureiros para patrulhar as estradas e repelir os ataques do gentio.

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Marcos de Noronha escreve ao rei sobre os ataques do gentio bravo

D. Marcos de Noronha, em carta datada de 10 de fevereiro de 1751, comunica a Sua Majestade, por intermédio do Conselho Ultramarino, as preocupações dos moradores dos arraiais de Natividade, Remédios (atual Arraias), Terras Novas e Ribeira de Paranã, “da consternação em que os tem posto o gentio Acroá, com as suas hostilidades”. Ele destaca que o tratamento inadequado dispensado ao gentio intensifica sua ferocidade, gera terror e desconfiança, além de dificultar o processo de aldeamento.

O Conselho Ultramarino, seguindo o parecer do Procurador da Fazenda, concorda que o excitamento do gentio e suas hostilidades decorrem do descumprimento de promessas feitas em entendimentos anteriores. Por isso, sugere um ajuste com Antônio Gomes Leite para buscar uma aproximação com o gentio, concedendo-lhe autoridade para oferecer prêmios como incentivo à desejada aproximação.

No entanto, deixa ao critério do Capitão-General estabelecer entendimento com outro sertanista, caso isso se mostre mais conveniente. O Conselho também recomenda que os índios sejam tratados com brandura para facilitar o processo de aldeamento, sugerindo ainda o emprego de missionários para alcançar esse objetivo.

O Procurador da Coroa, Desembargador Manoel Gomes de Carvalho, ratifica o parecer do Procurador da Fazenda, mas acrescenta que também lhe parece necessário que contra os brancos que com sua barbaridade deram causa à justa desconfiança dos gentios, ou ao menos contra alguns dos principais motores daquela temerária desordem se aplique um exemplar castigo que possa servir de satisfação aos gentios e persuadi-los de que aqueles feitos não foram aprovados pelo governo de Sua Majestade.

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Marcos de Noronha fala da fundação bem-sucedida de dois aldeamentos

Por meio de uma carta datada de 8 de março de 1752, D. Marcos de Noronha informa a Sua Majestade, através do Conselho Ultramarino, sobre as “providencias com que tem conseguido o estabelecimento de duas aldeias do gentio bravo das nações que hostilizavam vários arraiais” na região Norte da Capitania.

O Capitão-General apresenta os meios que considera essenciais para a manutenção dessas aldeias e para a continuidade da redução do mesmo gentio. Junto à referida carta, seguem um regimento datado de 13 de junho de 1751 e outros documentos complementares.

O Conselho Ultramarino fez tramitar os papéis entre os seus membros antes de enviá-los ao conhecimento de Sua Majestade, com os respectivos pareceres.

O Procurador da Fazenda elogiou as providências de D. Marcos de Noronha, recomendando-lhe um voto de louvor e que continuasse “a animar as aldeias que tem mandado criar”, assim como “ter um especial cuidado no bom tratamento dos índios das mesmas aldeias”, procurando fazer com que trabalhassem e se afeiçoassem à vida civil, e que os que estivessem em idade capaz aprendessem a língua portuguesa.

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Tratamento justos para conquistar a confiança dos índios

O Procurador da Fazenda reiterou a recomendação de dispensar um tratamento justo, capaz de despertar a confiança dos índios, destacando que um tratamento bárbaro é o principal motivo para a hostilidade deles. Ele opinou pelo reconhecimento das despesas já realizadas, bem como daquelas ainda necessárias para a manutenção dos índios aldeados, “enquanto não tem frutos das suas caças”, argumentando que a Fazenda Real enfrentaria despesas ainda maiores caso precisasse guerreá-los.

O Procurador também propõe o emprego de missionários nas aldeias e sugere que a Venceslau Gomes da Silva seja concedida a distinção do Hábito de Cristo [uma honraria destinada a quem prestava serviços relevantes ao reino] e uma tença [pensão] de cem mil réis.

O Procurador da Coroa concorda com o parecer do Procurador da Fazenda, mas faz restrição ao valor da tença que deve ficar a critério do Governador da Capitania.

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Parecer do Conselho Ultramarino

O Conselho Ultramarino inicia seu parecer com a seguinte declaração: “Ao Conselho parece que o Governador se tem por havido neste particular com tanto zelo e acerto que se faz digno de que Vossa Majestade seja servido mandar-lhe louvar e agradecer, declarando que espera continue na mesma ideia de promover a redução destes gentios e de estabelecer as aldeias que puder, mandando pedir ao Provincial da Companhia de Jesus e ao Vice-Provincial da mesma Companhia no Maranhão, os missionários que lhe forem necessários para o fim, aos quais seja Vossa Majestade servido repetir a mesma recomendação que lhe pedir”.

No parecer, recomenda ainda que, por intermédio do governador, Sua Majestade manifeste gratidão pelos bons serviços prestados pelo Coronel Venceslau Gomes, oferecendo-lhe a mercê do Hábito de Cristo e a tença de vinte mil réis, deixando, entretanto, ao critério do governador a definição de uma remuneração mais adequada às circunstâncias.

Os Conselheiros Antônio Lopes da Costa, Fernando José Marques Bacalhau e o Marquês de Penalva, Presidente do Conselho, defendem a concessão de uma tença de cem mil réis, além do Hábito de Cristo. A parte final do parecer traz uma crítica em tom enfático:

“…; e o Marquês Presidente acrescenta que lhe parece muito próprio da real grandeza de Vossa Majestade fazer mercê a este digno homem a tença dos cem mil réis em que vota, e que é igual e até menos do que algumas que se concederam a pessoas que embarcaram para o Estado da Índia sem mais merecimento de sua nobreza”.

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As aldeias de São José do Duro e de Formiga

Não são concordam entre si as versões quanto à época da fundação dos aldeamentos, confusas quanto aos nomes e imprecisas quanto à localização.

Um detido exame destas versões, das correspondências do Conselho Ultramarino, assim como a visita aos locais Ribeirão Formiga e Missão, permitem, com razoável segurança, fixar datas e locais de pelo menos dois destes aldeamentos.

Aldeia de São José do Duro

Fundaram-na junto à Serra Geral como morada dos Acroás, Xacriabás, Aricobés e Tupinambás. Quanto a sua localização e ao ano de sua fundação, parecem equivocadas as informações de Alencastre e de Cunha Matos (Corografia Histórica da Provincia de Goiás).

A fundação desse aldeamento ocorreu em 1751, com a participação do Coronel Venceslau Gomes da Silva, sob a direção espiritual de Bento Soares e José de Matos, sendo este o superior da missão. Também o padre Manoel Alves e seu irmão Gabriel Alves participaram dos trabalhos.

Aldeia de Formiga

Também conhecida como Aldeia de São Francisco Xavier dos Xacriabás. Simultaneamente, D. Marcos de Noronha mandou construir o Aldeamento de Formiga, onde seriam produzidos alimentos de lavoura, destinados ao consumo dos dois aldeamentos (São José do Duro e Formiga) e de outros que viessem a ser fundados.

O Ribeirão Formiga é subafluente do Rio Manoel Alvinho, do qual é afluente o Ribeirão Mombó, alguns quilômetros abaixo da Barra do Ribeirão Formiga. Este aldeamento, portanto, é um dos dois de que dá notícia D. Marcos de Noronha, fundado em 1751, confirmando a data citada por Marivone de Matos.

O empreendimento da construção destes aldeamentos recebeu o nome de Missão de São Francisco Xavier do Duro ou simplesmente Missão do Duro.

Hoje [à época de publicação do livro “Histórias do Tocantins”, em 1990] é um pequeno povoado com cerca de dez casas e uma capela onde se realizam anualmente as festas de S. José da Missão e do Divino Espirito Santo. Tudo faz crer que a sede da Missão de S. Francisco Xavier funcionava neste local.

Localização aproximada dos aldeamentos do Duro (créditos: “História do Tocantins”, de Osvaldo Rodrigues Póvoa)

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Aldeia do Duro

Não há certeza sobre a localização da Aldeia do Duro, embora pareça verossímil que seja o local onde está a cidade de Dianópolis ou próxima a ela.

O nome de Formiga, que também seria dado a este aldeamento, parece carecer de fundamento, uma vez que o Ribeirão Formiga teve em sua margem o Aldeamento de São Francisco Xavier dos Xacriabás, já mencionado anteriormente.

Neste aldeamento foram aldeados também os índios Acroás, como no de São Francisco Xavier do Duro (Missão). Este último aldeamento [Aldeia do Duro] foi estabelecido pouco depois dos dois primeiros, mas não há concordância de datas, variando de 1752 a 1755.

Em 1754, D. Marcos de Noronha deu regimento próprio a estes aldeamentos, submetendo-os a rigorosa disciplina militar, que acabou por trazer sérias consequências. Esse regimento foi datado do arraial de São Félix, em 1751.


 Nota 1: Este texto é uma adaptação do livro História do Tocantins, obra do renomado escritor e historiador Osvaldo Rodrigues Póvoa (11/05/1925 – 09/11/2023).

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